quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Relação entre microcefalia e zika só foi descoberta graças ao Brasil, diz órgão de saúde europeu

A epidemia de zika no Brasil permitiu que fosse constatada a relação entre o vírus e a microcefalia, disse à BBC Brasil um especialista do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças, órgão da União Europeia responsável pela saúde.
Surtos anteriores em outras partes do mundo não haviam afetado populações suficientemente grandes a ponto de fazer-se notável o aumento do nascimento de bebês com má-formação.
"De certa forma, eu diria que a importância da população afetada no Brasil foi a de servir de revelador para a associação com a microcefalia", disse Deni Coulombier, chefe da unidade de vigilância e resposta do órgão.
Comparando a epidemia brasileira às ocorridas em ilhas do Oceano Pacífico, Coulombier explica que há duas razões para que o vínculo não tenha sido percebido anteriormente.
"Não houve tantas mulheres contaminadas e houve poucos casos (de microcefalia), que mal puderam ser notados. Agora, o mesmo risco aplicado a uma grande população sem resistência ao vírus no Brasil, que é mais concentrado em questão de espaço, você acaba vendo de repente dezenas de milhares de casos no mesmo hospital ao mesmo tempo", diz.
"Olhando em retrospecto para os outros países, está claro que ocorreram casos de microcefalia e de má-formação do sistema nervoso central."
Segundo dados do ECDC, após observar a epidemia brasileira, as autoridades da Polinésia Francesa revisaram seus números. Em 2013-2014 as ilhas sofreram com epidemia de zika e na revisão foi constatado que houve aumento no número de bebês nascidos com deformações no ano seguinte, passando de um caso para 17 casos na média anual.

Vínculo

O chefe da delegação brasileira que participa esta semana do Encontro Executivo da Organização Mundial de Saúde, OMS, em Genebra, Jarbas Barbosa, concorda que a epidemia brasileira permitiu que fosse descoberta a relação.
"Pelo trabalho feito até agora pelo Ministério da Saúde do Brasil e pelas instituições de pesquisa do país, a hipótese de que (a microcefalia) já ocorria antes e só foi percebida agora, porque tem um sistema de vigilância melhor estruturado, provavelmente é a hipótese mais provável", disse à BBC Brasil.
Barbosa ressaltou que diversos estudos estão sendo conduzidos no país para detalhar a natureza do vínculo entre zika e microcefalia.
"O que nós temos até o momento são estudos epidemiológicos que demonstram a clara associação entre mulheres que tiveram infecção por zika durante a gestação e a ocorrência de microcefalia entre elas significativamente maior. Isso aponta para que haja muito provavelmente associação causal".

"Vários outros estudos estão sendo desenvolvidos neste momento para comprovar essa hipótese (de causalidade), é muito provável que seja comprovada."
A Organização Mundial de Saúde ainda não reconhece o vínculo entre o vírus e a microcefalia como sendo de causa, porque, segundo a organização, outros fatores não podem ser excluídos.
Em entrevista à BBC Brasil, o porta-voz da OMS Christian Lindmeier disse que "pela evidência que temos em mãos, existe a sugestão de uma associação entre zika e microcefalia, mas há muitas coisas que ainda não foram estabelecidas e que precisamos saber". "
"A microcefalia pode ser causada por impactos ambientais, metais pesados, herbicidas, pesticidas, síndromes genéticas, infecções, álcool, drogas, vacinas. E esses podem ser outros cofatores na má-formação."
"Eu creio que os países que só agora estão identificando a circulação do zika vírus, no caso os nossos vizinhos na América Latina, se beneficiarão bastante da experiência que o Brasil vem acumulando em como detectar (o vírus) e garantir o cuidado desses bebês (com microcefalia)", avalia Barbosa.
A delegação brasileira participa nesta quinta-feira de um painel - seguido de entrevista coletiva - sobre o tema da zika na OMS em Genebra. Por meio de teleconferência, Barbosa e o diretor do departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, deverão compartilhar os últimos avanços no enfrentamento da epidemia no país.


quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

OMS anuncia fim de surto de Ebola

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Estadão Conteúdo

O pior surto de Ebola da história chegou ao fim, deixando três países arrasados, custando mais de US$ 1,6 bilhão da comunidade internacional e expondo os erros graves da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesta quinta-feira, 14, foram completados 42 dias desde que o último caso de transmissão foi registrado na Libéria. Com o ciclo de incubação encerrado, a OMS anunciou nesta manhã em Genebra o fim do surto. Mas também alertou que o "trabalho ainda não terminou", já que o risco de novos casos também ainda podem aparecer nos próximos meses. A vitória sobre a doença chegou com mais de seis meses de atraso em relação às previsões iniciais da OMS. O trabalho a partir de agora, porém, será o de reconstruir três países que foram colocados de joelhos diante de um surto sem precedentes. A OMS chegou a alertar que o Oeste da África vivia uma "guerra" e apelou a medidas drásticas para impedir que o resto do mundo fosse afetado.
Nos meses que se seguiram ao registro de dezembro de 2013, os casos se proliferaram e cruzaram a fronteira da Guiné para a Libéria e Serra Leoa, causando mais de 11,3 mil mortos, 28 mil contaminados e destruindo economias inteiras. 6 mil crianças hoje perderam o pai, a mãe ou ambos por conta da doença.
Os estudos apontam que tudo começou com a morte de um garoto, Emile, no vilarejo de Meliandou, na área de floresta da Guiné. Num primeiro momento, médicos chegaram a ser atacados por populações locais, acusados de estarem infectando centenas de pessoas. Cidades inteiras foram isoladas, o Exército ocupou as ruas e os países chegaram a ser isolados do mundo.
Vigilância
Mas o fim do surto não significa o fim da guerra. Os países vão entrar agora em um período de intensa vigilância para que novos casos não apareçam. A Libéria, por exemplo, chegou a comemorar o fim da epidemia. Mas, em duas ocasiões desde então, novos casos foram registrados.
Os governos, agora, esperam que o fim da doença signifique que o comércio com o restante do mundo seja retomado. Países como a China passaram a impedir a entrada de pessoas da Guiné, afetando os negócios e derrubando um PIB já desgastado.

Mas, desconfiados, cientistas e mesmo políticos locais alertam que não há tempo para festas. A OMS reconheceu há poucos meses seu fracasso em identificar e tratar da doença, antes que ela tenha se espalhado. Empresas foram acusadas de não desenvolver vacinas e tratamentos contra a doença, ainda que o vírus tenha sido conhecido e mapeado há mais de 30 anos.

Existem ainda dúvidas sobre a resistência do vírus, depois que cerca de dez casos foram registrados desde março. Num dos casos, uma criança poderia ter sido contaminada depois de tomar leite materno. Sua mãe havia sido uma sobrevivente do Ebola.

Segundo reconheceu a própria OMS, o vírus poderia persistir em uma pessoa durante meses e transmitido pelo sêmen.

Vacinas experimentais tem sido testadas, enquanto tratamentos estão sendo desenvolvidos para erradicar os últimos traços do vírus em pessoas que sobreviveram. Até mesmo a última paciente da doença na Guiné, uma menina cuja mãe morreu por conta do vírus, apenas sobreviveu graças a um tratamento experimental.

Reconstrução. Para Letizia Di Stefano, coordenadora da entidade Médicos Sem Fronteira, centenas de pessoas ainda precisarão de apoio psicológico e uma campanha deve existir para permitir que os sobreviventes possam voltar a ser aceitos em suas comunidades. Um dos desafios é o de superar o estigma.

Para o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, o custo "humano e econômico foi enorme". "Precisamos continuar apoiando os sobreviventes e todos afetados pelo vírus", insistiu. "O Banco Mundial vai apoiar a reconstrução dessas economias e o fortalecimento dos sistemas de saúde", indicou. Para ele, a meta não é apenas a de colocar um fim à atual crise, mas a de evitar uma nova pandemia mundial.
Um dos principais diagnósticos da doença apontou que a falta de investimentos na Saúde havia aprofundado a crise. Antes mesmo da epidemia, os países afetados estavam entre os mais pobres do mundo, com menos de 200 médicos atuando e com mais de 80% da população sem acesso à saúde.
Para a OMS, uma das prioridades em 2016 será a de fortalecer os sistemas de saúde dos países afetados, inclusive para tratar outras doenças e recuperar avanços que foram anulados por conta do Ebola. Apesar de classificar a data como "um marco", a OMS insiste que o trabalho não acabou.


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